É o povo que desacata à Justiça, ou o contrário?
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É o povo que desacata à Justiça, ou o contrário?
O povo que desacata à Justiça, ou, a Justiça que desacata o povo brasileiro?
Por Edney Cielici Dias - Poder360
Alerta aos democratas, aos defensores do estado de direito. Na semana passada, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, expressou o que é de conhecimento – mas não de devida indignação – de todos: o sistema de segurança vigente está falido. No dia seguinte, a ministra Cármen Lúcia fez uma advertência do que deveria ser consenso: é inadmissível desacatar a Justiça.
Segurança e Justiça são dois temas interconectados, mas ganham um distanciamento trágico no Brasil – elas estão distantes entre si e, sobretudo, do cidadão. A Justiça parece viver em um mundo dourado, mais parece um microestado soberano, acessível apenas aos de posse e que a manejam em todas as filigranas. Competência dos Executivos, a segurança é ineficaz e discriminatória, seguindo o legado elitista e autoritário.
Jungmann apontou para uma das dimensões do fosso mencionado acima. “Em razão da incapacidade do Judiciário de julgar os processos, o sistema penitenciário brasileiro tem de 30% a 40% dos presos provisórios e temporários. Ninguém sabe, de fato, qual é o tamanho da população carcerária. E quem acha que sabe está enganado.”
A presidente do Supremo Tribunal Federal, por sua vez, citou Rui Barbosa. “A lei é, pois, a divisória entre a moral pública e a barbárie.” A palavra barbárie é, infelizmente, adequada para descrever o que ocorre no Brasil. A garantia de integridade do indivíduo é elemento fundador do contrato social. O que dizer da insegurança vigente?
O descalabro da violência se manifesta de diversas maneiras, mas fiquemos apenas com os homicídios. O Atlas da Violência, do IPEA, aponta para um patamar próximo a 60 mil casos/ano no país, o que resulta em uma das mais altas taxas do mundo. As vítimas de homicídio são predominantemente jovens “pretos e pardos”, um viés vergonhoso.
Em uma banalização do mal, os inquéritos de homicídio são arquivados em massa, fazendo que a resolução desses casos e a punição dos culpados sejam a exceção da exceção. Segue-se, em regra, sem segurança e sem justiça.
A pesquisa do IPEA traz dados de homicídio desde 1996 e se verificam taxas elevadas ao longo de todo o período, em que o país foi governado por diferentes coalizões. A carnificina é antiga e causa espanto a incapacidade política e institucional de equacioná-la.
Em meio à insegurança, os brasileiros demonstram um estado de espírito afinado com a advertência feita pela ministra Cármen Lúcia. É o que mostra o quadro abaixo, com dados do primeiro semestre de 2017 do Índice de Confiança na Justiça, da FGV.
Se o juiz decide que uma pessoa pague a outra uma quantia, ela tem a obrigação moral de pagar mesmo que discorde da decisão 75%
As pessoas devem seguir a lei mesmo quando a lei é contrária ao que elas acreditam que é certo 71%
A maioria dos juízes é honesta 57%
Se um policial pede para uma pessoa fazer algo, ela deve fazer mesmo que discorde do policial 56%
A maioria dos policiais é honesta 53%
fonte: ICJ Brasil - FGV
Depreende-se, dos dados acima, que três quartos dos brasileiros entendem que o cidadão deve acatar o decidido pela Justiça, ainda que não concorde com a decisão. A reputação de honestidade da maioria de juízes e policiais é aceita por 57% e 53% dos entrevistados, respectivamente.
Cabe destacar que a noção de respeito às decisões não é acompanhada de satisfação com o desempenho. De acordo com o Quadro 2, abaixo, o cidadão tem bem claro que a Justiça é lenta, cara, de difícil acesso e, ainda, pouco independente.
A Justiça:
Lenta 81
Cara 81
Nada/pouco honesta 78
Difícil de usar 73
Nada/pouco competente 73
Nada/pouco independente 66
fonte: ICJBrasil - FGV
Esses dados são incoerentes? Como o cidadão considera adequado acatar decisões de uma Justiça que ele tem em baixa avaliação? A resposta parece ser que, na intuição de cada um, a lei é condição sine qua non da vida social. Na ausência dela, estaria aberto de vez o caminho da arbitrariedade e de uma violência ainda mais ubíqua e aterradora.
As instituições são imperfeitas, mas podem ser aperfeiçoadas. Seria ingênuo supor que não haja componentes políticos nas grandes questões da Justiça. Sempre haverá. A defesa dos que se sentem lesados deve, no entanto, ser expressa no âmbito da Justiça – e esta não é um corpo estatal tão ideologicamente homogêneo como querem pintar. Os atuais detratores, por sua vez, são atores políticos de peso, com ampla possibilidade de defesa e acesso a fóruns internacionais.
E o cidadão comum? Tem acesso a quê? A ser roubado e a levar balaço nas ruas? Quero crer que Rui Barbosa, vivo fosse, teria palavras muito mais duras para dirigir à Justiça brasileira e aos que querem desacreditá-la. A rota democrática pressupõe uma Justiça próxima do cidadão e essa agenda tem muito – mas muito mesmo – que avançar.
Por Edney Cielici Dias - Poder360
Alerta aos democratas, aos defensores do estado de direito. Na semana passada, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, expressou o que é de conhecimento – mas não de devida indignação – de todos: o sistema de segurança vigente está falido. No dia seguinte, a ministra Cármen Lúcia fez uma advertência do que deveria ser consenso: é inadmissível desacatar a Justiça.
Segurança e Justiça são dois temas interconectados, mas ganham um distanciamento trágico no Brasil – elas estão distantes entre si e, sobretudo, do cidadão. A Justiça parece viver em um mundo dourado, mais parece um microestado soberano, acessível apenas aos de posse e que a manejam em todas as filigranas. Competência dos Executivos, a segurança é ineficaz e discriminatória, seguindo o legado elitista e autoritário.
Jungmann apontou para uma das dimensões do fosso mencionado acima. “Em razão da incapacidade do Judiciário de julgar os processos, o sistema penitenciário brasileiro tem de 30% a 40% dos presos provisórios e temporários. Ninguém sabe, de fato, qual é o tamanho da população carcerária. E quem acha que sabe está enganado.”
A presidente do Supremo Tribunal Federal, por sua vez, citou Rui Barbosa. “A lei é, pois, a divisória entre a moral pública e a barbárie.” A palavra barbárie é, infelizmente, adequada para descrever o que ocorre no Brasil. A garantia de integridade do indivíduo é elemento fundador do contrato social. O que dizer da insegurança vigente?
O descalabro da violência se manifesta de diversas maneiras, mas fiquemos apenas com os homicídios. O Atlas da Violência, do IPEA, aponta para um patamar próximo a 60 mil casos/ano no país, o que resulta em uma das mais altas taxas do mundo. As vítimas de homicídio são predominantemente jovens “pretos e pardos”, um viés vergonhoso.
Em uma banalização do mal, os inquéritos de homicídio são arquivados em massa, fazendo que a resolução desses casos e a punição dos culpados sejam a exceção da exceção. Segue-se, em regra, sem segurança e sem justiça.
A pesquisa do IPEA traz dados de homicídio desde 1996 e se verificam taxas elevadas ao longo de todo o período, em que o país foi governado por diferentes coalizões. A carnificina é antiga e causa espanto a incapacidade política e institucional de equacioná-la.
Em meio à insegurança, os brasileiros demonstram um estado de espírito afinado com a advertência feita pela ministra Cármen Lúcia. É o que mostra o quadro abaixo, com dados do primeiro semestre de 2017 do Índice de Confiança na Justiça, da FGV.
Se o juiz decide que uma pessoa pague a outra uma quantia, ela tem a obrigação moral de pagar mesmo que discorde da decisão 75%
As pessoas devem seguir a lei mesmo quando a lei é contrária ao que elas acreditam que é certo 71%
A maioria dos juízes é honesta 57%
Se um policial pede para uma pessoa fazer algo, ela deve fazer mesmo que discorde do policial 56%
A maioria dos policiais é honesta 53%
fonte: ICJ Brasil - FGV
Depreende-se, dos dados acima, que três quartos dos brasileiros entendem que o cidadão deve acatar o decidido pela Justiça, ainda que não concorde com a decisão. A reputação de honestidade da maioria de juízes e policiais é aceita por 57% e 53% dos entrevistados, respectivamente.
Cabe destacar que a noção de respeito às decisões não é acompanhada de satisfação com o desempenho. De acordo com o Quadro 2, abaixo, o cidadão tem bem claro que a Justiça é lenta, cara, de difícil acesso e, ainda, pouco independente.
A Justiça:
Lenta 81
Cara 81
Nada/pouco honesta 78
Difícil de usar 73
Nada/pouco competente 73
Nada/pouco independente 66
fonte: ICJBrasil - FGV
Esses dados são incoerentes? Como o cidadão considera adequado acatar decisões de uma Justiça que ele tem em baixa avaliação? A resposta parece ser que, na intuição de cada um, a lei é condição sine qua non da vida social. Na ausência dela, estaria aberto de vez o caminho da arbitrariedade e de uma violência ainda mais ubíqua e aterradora.
As instituições são imperfeitas, mas podem ser aperfeiçoadas. Seria ingênuo supor que não haja componentes políticos nas grandes questões da Justiça. Sempre haverá. A defesa dos que se sentem lesados deve, no entanto, ser expressa no âmbito da Justiça – e esta não é um corpo estatal tão ideologicamente homogêneo como querem pintar. Os atuais detratores, por sua vez, são atores políticos de peso, com ampla possibilidade de defesa e acesso a fóruns internacionais.
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